quinta-feira, 9 de junho de 2011

UM POR TODOS E TODOS POR UM

        Robin Baker é professor de Zoologia na Universidade de Manchester (EUA), onde atua como um sério investigador de espermatozóides humanos desde 1988. Essa curiosa atividade, a princípio um tanto estranha, justifica-se por sua busca por explicações científicas para a imensa diversidade de comportamentos sexuais presentes na espécie humana. Baseado em suas descobertas, ele e seu colega Mark Bellis publicaram em 1995 o livro Competição de espermatozóides humanos: cópula, masturbação e infidelidade (Editora Chapman & Hall). Ciente de que esta obra era excessivamente acadêmica, Baker resolveu popularizar as informações contidas em seu primeiro livro e então surgiu, em 1997, Guerra de esperma: infidelidade, conflito sexual e outras batalhas de alcova (Editora Record). É a partir dessa leitura que vamos narrar agora a real saga de um gameta masculino após ser lançado para dentro do canal vaginal de uma mulher.







utero


Antes de tudo, vamos derrubar a imagem daquele espermatozóide atlético, com uma longa cauda, cabeça robusta e que nada sem parar até os confins da tuba uterina. Esse tipo idealizado de espermatozóide corresponde apenas à metade do total contido numa ejaculação humana normal. Um exército de espermatozóides é um conjunto muito mais diversificado, contendo gametas com cabeça grande, outros com cabeça pequena, outros com cabeça tão diminuta que não há espaço nem para carregar o pacote de DNA. O número e o formato das cabeças também variam bastante: Existem cabeças redondas, em forma de charuto e outras tão irregulares que é impossível descrevê-las. Espermatozóides com múltiplas caudas (de duas a quatro) não são raros, e estas podem ser curtas, espiraladas ou longas e esguias. Para incrementar ainda mais a variedade de tipos, existem os espermatozóides “corcundas”, com sua parte central curvada em ângulo reto, e os “alpinistas”, que parecem carregar uma mochila de material celular em sua porção central. Esta variedade de formas garante que pelotões celulares distintos executem diferentes tarefas na guerra de esperma, mas apenas uma mínima parcela dessa população celular é fértil, como veremos adiante.
Em cada ejaculação, o homem expulsa uma média de 300 milhões de espermatozóides, sendo que dentre eles menos de 3 milhões são férteis. Uma das perguntas que Baker nos faz logo no início do livro é “Por que os homens despejam, em cada relação sexual, espermatozóides suficientes para fecundar duas vezes toda a população dos Estados Unidos?” E mais, se menos de 1% de todas essas células é capaz de fertilizar o que quer que seja, o que fazem então as outras 99%? Pasmem! Segundo Baker, estes 297 milhões de células estão programados para repelir os gametas de outros homens, caso ocorra uma disputa simultânea pelo prêmio guardado no corpo da mulher.

Para entender isso, vamos ver primeiro como a tropa de espermatozóides se posiciona dentro do campo de batalha (isto é, o corpo da mulher). Por incrível que pareça, pelo menos metade dos gametas masculinos já é eliminada da guerra tão logo adentram o canal vaginal, arrastados pelo muco cervical de volta à entrada da vagina. Da metade restante, a imensa maioria permanece no muco cervical, bloqueando o caminho em direção ao útero. Quase sempre esses espermatozóides enroscam a cauda, como se previssem uma longa espera por supostos rivais. Essa é uma das principais estratégias de guarda contra um suposto exército inimigo (ou seja, os espermatozóides de um outro homem). Os espermatozóides que ficam no muco cervical não são aqueles do tipo atlético, mas sim são os soldados mais lentos; são aqueles de cauda espiralada, os corcundas, os alpinistas, os de cabeça grande ou com múltiplas cabeças. Com o tempo, caso não morram em combate com gametas do exército inimigo, estes espermatozóides acabam sendo eliminados pelos glóbulos brancos produzidos pelo próprio corpo da mulher.
Além dos bloqueadores, há os espermatozóides que ficam circulando pelo interior do útero, e fazendo ronda à procura de gametas inimigos. Estes espermatozóides são do tipo atlético, porém não são fecundadores, mas sim matadores. Ao encontrar outro gameta, o matador toca sua cabeça, verifica as substâncias químicas ali encontradas e, caso o conteúdo seja igual ao dele, o matador deixa que seu aliadoembora enquanto ele próprio prossegue em sua ronda. Por outro lado, se as substâncias do oponente forem distintas das dele, o matador “golpeia” a cabeça do inimigo, injetando ali uma boa dose de líquidos fatais que se encontram na cabeça do matador.
Outro pelotão, composto de cerca de 1 milhão de espermatozóides, fica quieto nas criptas cervicais, poupando energia e aguardando sua vez de entrarem em ação. Quando solicitados, estes gametas podem migrar útero acima em busca do óvulo, ou podem reforçar os pelotões de bloqueadores ou de matadores, caso a guerra seja desfavorável ao seu exército. Devido a essa versatilidade de funções, esse pelotão engloba uma grande variedade de tipos de soldados.
Por fim, apenas umas poucas centenas de espermatozóides nadam direto até o colo do útero. Este é o chamado pelotão de vanguarda”. Seus soldados atléticos e fertilizadores surfam pelas paredes uterinas até a região mais alta, onde estão as portas de entrada para os ovidutos. Alguns matadores adentram os ovidutos e acompanham os espermatozóides fertilizadores, garantindo que estes cheguem a salvo até o pivô da guerra: o óvulo! A jornada inicial dentro do oviduto é pequena, pois a uma curta distância as células repousam, permanecendo ali à espera de sinais químicos que ativam a corrida final até o óvulo. Estes sinais são transmitidos logo após a ovulação, percorrendo o oviduto adjacente ao ovário que liberou o óvulo. Mesmo sem esse sinal, um por um, os espermatozóides que estão em repouso vão acordando e subindo o oviduto, à procura de um óvulo. Caso não o encontre, estes gametas morrem, mas se ali estiver o prêmio, agora sim, o troféu será daquele que primeiro conseguir penetrar o tão sonhado óvulo! A guerra finalmente chega ao fim, anunciando então o desenvolvimento de uma nova vida!



Dra. Fabiana Bandeira
Doutora em neurociências do  Espaço Ciência Viva

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