Colunista apresenta estruturas do núcleo das células das quais você provavelmente nunca ouviu falar.
Por:
Jerry Borges
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Robert Brown (1773-1858), botânico escocês que descreveu o núcleo celular em 1839, retratado pelo pintor inglês Henry William Pickersgill (1782-1875).
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Nossos professores
comumente afirmam que a
composição
do núcleo
da célula é
simples e que ele possui apenas uma matriz aquosa,
denomina
da
nucleoplasma, na qual estão imersos os
cromossomos e alguns
nucléolos, responsáveis pelo armazenamento
de moléculas
de
RNA ribossômico. Contu
do, essa
definição
simplista está longe
de
descrever to
da a
dinâmica e
complexi
da
de
da região nuclear, responsável pelo
coman
do
das células. Por que há, então, essa enorme
diferença entre o que a ciência sabe sobre o núcleo celular e o que é ensina
do em nossas escolas?
O núcleo foi a
primeira organela a ser descrita. Observações
dessa região celular foram feitas em 1682 pelo “pai
da microbiologia”, o holan
dês
Antonie van Leeuwenhoek (1632-1723), e posteriormente, em 1802, pelo
botânico austríaco Franz Andreas Bauer (1758-1840). Contu
do, a
descoberta do núcleo celular é frequentemente atribuí
da a outro botânico: o escocês
Robert Brown (1773-1858), que
descreveu essa região celular 29 anos
depois (1839), a partir
do exame
de células
de orquí
deas.
Contu
do,
nenhum dos três arriscou-se a in
dicar uma função para essa estrutura recém-descoberta. O primeiro a sugerir um papel para o núcleo celular foi o alemão
Matthias Schleiden (1804-1881), botânico consi
dera
do um
dos fun
da
dores
da teoria celular, que apresenta as células
como a
unidade funcional básica dos seres vivos. Um ano antes
da
descrição
de Brown, Schlei
den
propôs que o núcleo seria o local responsável pela geração de novas células.
As afirmações
de Schlei
den foram
duramente criticadas e somente em 1876 as pesquisas
do zoólogo alemão
Oscar Hertwig (1849-1922)
com embriologia
de ouriços marinhos, anfíbios e moluscos
indicaram que o núcleo celular tinha participação no processo de formação de novas células e, posteriormente,
de novos seres vivos. A participação
dessa organela nos processos here
ditários tornou-se clara apenas algumas
déca
das
depois,
no início do século 20.
Origem do núcleo
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O núcleo celular representado em desenho do botânico alemão Walther Flemming (1843-1905) publicado em 1882, poucos anos depois que se confirmou que essa estrutura estava envolvida na reprodução celular.
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Ao longo
do último século,
diversas teorias têm si
do propostas para
descrever a origem evolutiva
do núcleo celular. Essas especulações incluem a possibili
da
de
de que essa organela tenha se estabeleci
do nas células
como resulta
do
de uma relação
endossimbiótica análoga à que estaria por trás
da origem
dos
cloroplastos e
mitocôndrias, segun
do a teoria proposta por
Lynn Margulis (1938), professora
da Universi
da
de
de Massachusetts Amherst (EUA).
Essa teoria, conheci
da
como “
modelo sintrófico”, afirma que um antigo representante
de um grupo
de microrganismos conheci
dos
como
Archaea metanogênicas invadiu ou foi fagocita
do por bactérias primitivas aparenta
das
com as atuais mixo-bactérias.
Por algum motivo desconhecido, esse organismo não foi
digeri
do
pelas bactérias e, após algum tempo, a convivência passou a apresentar
benefícios para ambas as células que, assim,
passaram a viver juntas.
A similari
da
de entre algumas proteínas nucleares presentes nas células
eucarióticas e nas
Archaea,
como as
histonas, e a semelhança entre algumas proteínas citoplasmáticas
dos
eucariótas e
das mixo-bactérias
(como as quinases e proteínas G, por exemplo) são cita
das pelos
defensores
dessa teoria
como provas
dessa relação
endossimbiótica.
Uma segunda teoria propõe que as células
eucarióticas evoluíram a partir
de formas primitivas aparenta
das
com as atuais bactérias
planctomicetos, um grupo que possui um citoplasma sub
divi
di
do
por membranas e inclusive uma estrutura nuclear.
Outra hipótese, mais
controversa, afirma que a região nuclear surgiu após a invasão
de células primitivas por vírus (
provavelmente poxvírus). Esse mo
delo se baseia na similari
da
de entre células
eucarióticas e
vírus em relação as suas moléculas
de
DNA, as enzimas conheci
das
como
DNA polimerases e algumas proteínas.
Outro modelo alternativo, mais recente,
denomina
do hipótese
da
exomembrana, sugere que o núcleo surgiu após a pro
dução
de uma nova membrana externa em torno
do
envoltório celular original. Essa nova cobertura seria a atual membrana
plasmática e a membrana celular original se tornou a atual membrana
nuclear ou
carioteca.
O núcleo tradicional
O núcleo celular é a
maior organela das células eucarióticas, ocupan
do nos mamíferos, em mé
dia, cerca
de 10%
do volume celular. Apesar
de seu tamanho avantaja
do, ele ain
da é envolto em mistério.
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Células humanas cultivadas em laboratório com o núcleo destacado por um corante azul (foto: Wikimedia Commons).
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Os livros didáticos afirmam que o núcleo celular é delimitado pela carioteca, um envoltório formado por uma membrana interna e outra externa contínua com o retículo endoplasmático rugoso. A
carioteca também possui uma série
de poros nucleares aquosos associa
dos
com a
permeabilidade seletiva entre o núcleo e citoplasma, que impe
de, por exemplo, que o material genético “escape” para fora
do núcleo.
Internamente, o núcleo é
composto por uma
matriz aquosa,
denomina
da
nucleoplasma. Ali estão imersas uma re
de
de proteínas filamentosas
do
citoesqueleto celular responsáveis por
dar
sustentação a carioteca e por manter cromossomos e outros
componentes nucleares em regiões específicas.
O material genético celular está reuni
do em um grupo
de longas moléculas
de
DNA denominadas cromossomos que, na maior parte
do ciclo celular, estão associa
das
com proteínas (principalmente
histonas), forman
do um arranjo
denomina
do
cromatina. Os
nucléolos são outro
componente evi
dente
do núcleo e estão relaciona
dos
com a síntese e e
dição
de moléculas
de
RNA ribossômico (RNAr).
Componentes menos conhecidos
Além
das estruturas acima cita
das,
existe uma série de outros componentes nucleares que você provavelmente não conhece e que não estão na maioria dos livros didáticos. Entre eles, estão as estruturas conheci
das
como
corpos de Cajal, que
são possivelmente locais associados com a maquinaria de transcrição celular através do processamento de diversos tipos de RNA.
O núcleo contém ain
da os chama
dos
domínios PIKA (sigla em inglês para
associações cariossomais polimórficas da interfase). Essas estruturas foram
descobertas apenas em 1991 e, apesar
de suas
funções ainda não serem claras, acre
dita-se que elas estejam associa
das
com a
produção de fatores relacionados com a transcrição de alguns tipos de RNAs. Outros
componentes pouco conheci
dos são os corpos
PML (“
leucemia promielóctica”, na sigla em inglês),
dispersos pelo
nucleoplasma e relaciona
dos provavelmente
com a
regulação da transcrição de outras regiões nucleares.
Surpreso? Pois a lista ain
da não acabou! Os
domínios
SC35 ou
speckles
(assim chama
dos
devi
do ao seu
aspecto disperso e amorfo observado nas células de mamíferos) são regiões móveis envolvi
das no
processamento de RNA, na regulação
transcricional e na apoptose. Por fim, temos os
paraspeckles,
descobertos em 2002. Presentes no espaço
intercromatínico, essas estruturas
dinâmicas se
alteram em resposta a mudanças na atividade metabólica celular.
Apesar
de ain
da
conhecermos pouco sobre a biologia desses compartimentos nucleares,
descobertas recentes in
dicam que o
núcleo celular é muito mais complexo do que se pode pensar após um exame superficial. Embora essa organela não apresente uma
distinção morfológica entre as suas regiões, sua especialização territorial fisiológica e sua plastici
da
de funcional
tornam o ambiente nuclear muito dinâmico e capacitam-no para
desempenhar um
sem-número de tarefas metabólicas necessárias para a preservação
da biologia celular.
Resta agora esperar para ver isso em nossos livros e em nossas aulas.
Jerry Carvalho Borges
Universi
da
de
do Esta
do
de Minas Gerais
04/07/2008
SUGESTÕES PARA LEITURA
Handwerger, K.E. e Gall,J.G. (2006). Subnuclear organelles: new insights into form and function.
Trends Cell Biol.
16, 19-26.
Lopez-Garcia, P. e Moreira, D. (2006). Selective forces for the origin of the eukaryotic nucleus.
Bioessays
28, 525-533.
Martin, W. (2005). Archaebacteria (Archaea) and the origin of the eukaryotic nucleus.
Curr. Opin. Microbiol.
8, 630-637.
Pederson, T. (2004). The spatial organization of the genome in mammalian cells.
Curr. Opin. Genet. Dev.
14, 203-209.
Rippe, K. (2007). Dynamic organization of the cell nucleus.
Curr. Opin. Genet. Dev.
17, 373-380.
Rowat, A.C. et al. (2008). Towards an integrated understanding of the structure and mechanics of the cell nucleus.
Bioessays
30, 226-236.